O que é uma metáfora? A Poética de Aristóteles dá a explicação mais simples: é empregar uma palavra no lugar da outra. Toda a arte nasce da repressão, notava Freud –de resto, o grande tema do Mal-estar na Cultura e na Civilização. Simples assim: o mar bravio cutuca a ostra, lhe impõe doses e doses de cáustica areia corrosiva: esta, agredida em seu eu mais sensível, devolve a agressão com uma cálida resposta: uma pérola. Bonitinho, não? A ditadura machucava a sociedade. Chico Buarque fugia do látego da censura com suas pérolas reativas. E sua obra fez-se o que se fez com o uso daquelas marotas metáforas que encantavam os baianos que gostam de cantar na televisão, como Gil e Caetano. Chico era nossa metáfora mais potente. Óbvio que disto brotavam aquelas imagens polaroidemente pesadonas, “a medida do bonfim”, “o cálice” e o escambau a quarto. Tom Jobim era mais pop, por isso tão aceito lá fora: gostava do pau, da pedra, do fim do caminho. Odiava uma metáfora. E a gringada, acostumada que era a cantar “o bladí, o bladá”, “hey hey”, “doo doo doo da da da” abriu-lhe os braços. Tom era elástico, leve. Chico sempre foi pesadão: um octagenário nato, na frase de Nelson Rodrigues sobre Ruy Barbosa.. Preguiça traz ócio criativo. Chico é de uma outra classe de luz: a chamada acídia. Trata-se daquela má qualidade mórbida, a que o filósofo Jean Lauand definiu como “a acidez, a queimadura interior”. Acídia é morbidez. Chico sempre foi um mórbido vocacional. Só os mórbidos e jeca amaram Chico ao osso. Tomás de Aquino emprega 233 vezes a palavra acídia, em 134 passagens de sua obra. Não é pouco. Pois bem: Chico Buarque, o Rei da Acídia, que também era o Rei da Metáfora, viu sua obra cair no buraco quando a ditadura acabou. Encerrada a ditadura, acabou a censura, para que então as metáforas? O fim da ditadura foi também o fim de Chico Buarque. Freud dançou um mambo de alegria em seu túmulo. Agora: por que criticar Chico pela suas idas e imóvel em Paris? Não entenderam ainda a esquerda caviar? Ganha-se muito dinheiro criticando o capital. O Pink Floyd ficou rico com uma música contra o dinheiro, chamada “Money”. A esquerda caviar sempre viveu de criticar o capitalismo mas desfrutar dele o que tal sistema pode oferecer de melhor (para eles): o consumo e a luxúria. Não viram quantas hidromassagens o caipira Zé Dirceu comprou com a grana do Petrolão. Vamos lembrar. O lobista Milton Pascowitch pagou R$ 1,8 milhão para reformar e decorar uma casa para o ex-ministro José Dirceu em Vinhedos, no interior de São Paulo, em 2013. O valor, declarado pela arquiteta Daniela Facchini em depoimento prestado à Polícia Federal (PF) em agosto passado. Um conjunto de sofás, poltronas, mesas de centro e aparador para a sala de estar custou R$ 140 mil. Para colocar persianas em todas as janelas do imóvel foram gastos R$ 31 mil. A lista de compras inclui, ainda, pufes que custaram R$ 4,3 mil cada. O jeca anti-capital montou uma mansão com nossa grana bem lá naqueles rincões a que Marx chamava de “a idiotia do campo”. Viram? A orbe de Dirceu sempre foi o mesmo mundo de Chico Buarque: falar mal da grana e se cevar do capitalismo. E por que Chico e Dirceu encantaram tanto os incautos? Porque na América Latina em geral, e no Brasil em particular, Marx e Cristo se deram as mãos. O catalisador disso foi a figura do padre de passeata, aquele cantava Chico nas pracinhas –e o recomendava nos seminários. Sobre o padre de passeata, estabeleceu Nelson Rodrigues: “O verdadeiro Cristo? É o Cristo verdadeiro. O falso cristo é o cristo dos padres de passeata. Há um cristo de passeata que é mais falso do que Judas. É a igreja dos padres de passeata. Eu sou cristão, mas não me venham falsificar Cristo como uísque nacional”.
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