O guião foi escrito com todo o cuidado e Hillary Clinton está a cumpri-lo à risca nesta sua segunda oportunidade para chegar à Casa Branca: nem que seja à força, ela vai ser espontânea. Horas depois de ter anunciado a sua candidatura num vídeo em que representa o papel de defensora dos "everyday americans" (os "americanos comuns"), a mulher que foi primeira-dama durante oito anos, senadora pelo estado de Nova Iorque outros oito e responsável pela política externa da maior potência mundial entre 2009 e 2013 partiu para a estrada na sua carrinha, carinhosamente baptizada de Scooby. O destino foi o estado do Iowa, onde pôde finalmente começar a provar aos cidadãos – e aos media; ou antes de mais aos media – que consegue relacionar-se com os "americanos comuns", numa série de paragens em estações de serviço e restaurantes ao longo dos 1600 quilómetros de viagem, e conversas com pequenos grupos de potenciais eleitores. Na versão 2015/2016 de Hillary Clinton cabe também uma feroz opositora das desigualdades, posicionando-a logo de início o mais à esquerda possível: "Quando olhamos para o conjunto do país, temos de admitir que as cartas estão baralhadas de forma a favorecer os que já estão no topo. Algo está errado quando os gestores de fundos de investimento pagam menos impostos do que enfermeiras ou do que os camionistas que passaram por nós na I-80 [a gigantesca auto-estrada que liga Nova Iorque a São Francisco]", disse Hillary Clinton durante uma paragem no Kirkwood Community College, na pequena cidade de Monticello, antes de responder às perguntas de sete alunos. Os comícios com centenas ou milhares de pessoas a segurar cartazes com a frase "Hillary a Presidente" ficaram em 2007, quando a então senadora chegou ao Iowa para lançar a sua primeira corrida à Casa Branca. Dizer que essa estratégia não funcionou é um eufemismo: nas primárias do Partido Democrata, Hillary não só perdeu para Barack Obama como ficou atrás de John Edwards. Mas a história desta vez é completamente diferente, por duas razões fundamentais: por um lado, Hillary chega ao difícil e importante estado do Iowa sem concorrência à vista no Partido Democrata; por outro lado, a principal mensagem da sua campanha assenta na ideia de que aprendeu a lição de há oito anos. Arlie Willems, a representante do Partido Democrata que recebeu Hillary Clinton no condado de Jones, deixou escapar os pormenores dos preparativos para a viagem em que a candidata teria de ser espontânea. "Eu esperava que ela pelo menos cumprimentasse uma multidão de pessoas, ou que arranjasse uma forma de saudar um grande grupo de apoiantes, mas os seus assessores disseram-nos que não queriam nada que se assemelhasse a um comício." Pesando os faits divers transformados em importantes notícias (como um burrito comprado num restaurante da cadeia Chipotle) e os encontros em ambiente familiar com potenciais eleitores, a apreciação geral da primeira semana de campanha é positiva. "Foi uma boa semana. Ela tentou com todo o cuidado moldar a sua imagem, tentou passar a ideia de que é uma candidata espontânea, capaz de saltar para uma carrinha e percorrer 1000 milhas até ao Iowa. Acho que conseguiu mostrar-se mais afável do que da última vez que se candidatou", disse Roger Simon, editor do site Politico e especialista em campanhas presidenciais. Dale Todd, um habitante do Iowa e eleitor confesso do Partido Democrata, confirmou essa ideia ao site U.S. News & World Report – ele que votou em Barack Obama nas primárias de 2008: "É uma candidata diferente. A História dá-nos a oportunidade de aprendermos com as suas lições. Não é a mesma comitiva enorme que tivemos cá da outra vez. Não sentimos aquele pretensiosismo. Não vimos BlackBerrys por todo o lado. Eles perceberam os erros do passado e não querem repeti-los. Tenho de lhes dar valor por isso." Mas se Hillary já conseguiu convencer este "americano comum", outros continuam a olhar para ela e não conseguem ver mais do que calculismo político – alguns deles, nesta passagem pelo Iowa, estão no importante grupo dos eleitores mais jovens. "Acho que ela foi aconselhada a fazer isto por um gestor da campanha", disse ao jornal The New York Times Corey Jones, um estudante de 17 anos que assistiu ao debate entre Hillary Clinton e sete alunos do Kirkwood Community College. "Não me parece que a ideia tenha sido dela."
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